Antônia Ribeiro dos Santos era natural de Candeias-BA e nasceu em 13 de junho de 1926, mas só foi registrada em 1934. Ao todo, teve 14 irmãos, com apenas 7 sobreviventes. Ainda criança se mudou com a família para o interior, no Sul da Bahia. Muito nova, começou a trabalhar lavando trouxas de roupas para as casas de senhores e senhoras das fazendas da cidade. Foi naquela época que conheceu Agenor, um Pai de Santo, que dentro do Candomblé Angola - matriz Tombenci - era conhecido pela Dijina de Jikêmunã. Suas manifestações mediúnicas começaram aos 14 anos, quando incorporou pela primeira vez o Boiadeiro Vaquerinho, mas Tonha, como era conhecida, dizia que não queria ser filha de santo. Para ela, bastava ser consulente e cuidada pelo Tat’etu Jikêmunã. Porém, em uma dessas visitas ao terreiro do Pai Jikêmunã, quando estava acontecendo a kizomba do “Tabuleiro de Kavungo”, Tonha foi tomada pelo sono profundo do santo ao “bolar” e, em 1953, foi iniciada por Tat’etu Jikêmunã, com quem cumpriu todas as suas obrigações. Mam’etu Liceuy não era alfabetizada e como boa filha de Matamba, foi no tabuleiro de Acarajé, sua principal fonte de renda, que criou e alimentou sua família. Os acarajés eram vendidos nas portas das casas noturnas, conhecidas no interior da Bahia como “Brega”. Essas meninas que chegavam para “trabalhar” nos Bregas, imediatamente eram acolhidas por Mam’etu Liceuy, que não permitia que ficassem por ali, levando-as para casa, cuidando e até sustentando essas mulheres, que acabaram virando suas filhas de santo, tratando da vida espiritual e também civil de cada uma delas. Mulheres que não tinham família e que hoje, depois de todo amor de Mam’etu Liceuy, viraram pessoas honrosas. Antonia teve uma filha consanguínea, que morreu ao nascer, e posteriormente adotou legalmente um casal de crianças, que deu a ela 7 netos e 7 bisnetos, sendo que duas de suas netas moraram desde sempre com ela.
Mam’etu Liceuy ia Matamba, ao longo da sua vida no santo, construiu uma enorme família no seu terreiro, fundado em 1965, e dez anos após a fundação de sua casa, em 1975, aceitou a missão de, em Barra Mansa-RJ, iniciar o “barco das três” - Katulajunsun (Dofono/Rianga), Mazakaya (Dofonitinho/Kayadi) e Sia Vanju (Fomo/Katatu) - que foi o terceiro barco iniciado por Liceuy. Ao todo, estima-se que mais de 300 pessoas, entre consulentes, iniciados e ndumbi fizeram parte da vida de santo da mãe Tonha. Mam’etu Sia Vanju e Mam’etu Ndenge Katulajunsun, acompanhadas do Tata Kambono Kisanje e da kota Sejiledan, tiveram a oportunidade de visitar “mãinha”, em outubro de 2021. Mesmo após 46 anos de iniciadas, não deixaram de pedir bênção de maneira tradicional e de rezar o ingorossi aos pés de sua iniciadora. “O mais velho sempre será mais velho, não importa quantos anos de santo você tenha ou quantas obrigações você cumpriu e nesse caso, nossa mãe nunca deixou de ser nossa mãe, não importa quantos anos se passaram e muito menos os quilômetros de distância que nos separavam. O respeito e a hierarquia são os primeiros ensinamentos do candomblé”, diz Mam’etu Sia Vanju, relembrando a visita a Mam’etu Liceuy, que nos deixou em 15 de outubro de 2022, aos 96 anos. Mam’etu Liceuy foi uma grande incentivadora da cultura, participando ativamente de blocos afro e coletivos de atores da cidade de Ilhéus-BA. Foi uma mulher que ajudou muito o bairro Malhado, onde morava, e entregava comida a pessoas em situação de vulnerabilidade. Sua sucessora é a última muzenza, iniciada em 15 de dezembro de 2018, sua neta, criada com ela desde os 10 meses de nascida, Yasmin Almeida dos Santos, a Muzenza Orôminámaze ia Ndandalunda.
Katulajunsun Diana Mara e Sia Vanju Patricia Freita em visita ao Ilê Axé Oxóssi de Mam'etu Liceuy
Mam'etu Liceuy e Mam'etu Ndenge Katulajunsun em outubro de 2021, na visita a mãinha, em Ilhéus/BA
Como boa filha de Matamba, foi no tabuleiro de Acarajé, que Mam’etu Liceuy fez sua principal fonte de renda
Nos círculos acadêmicos, é consenso que os primeiros passos da humanidade foram dados no continente africano, onde nossos ancestrais surgiram e partiram para colonizar o mundo. No entanto, infelizmente, a África muitas vezes é retratada de maneira negativa, associada à pobreza, conflitos e doenças.
Para Gisèle Cossard, nascida em 1923, uma francesa de origem privilegiada, a África sempre foi uma fonte de fascínio e inspiração. Nos anos 1960, enquanto acompanhava o trabalho de seu ex-marido diplomata, sua curiosidade pela cultura africana crescia cada vez mais. Do peixe defumado no dendê à cultura de jogar moedas na travessia do rio, Gisèle vivenciou a cultura africana de perto. E foi através dessa conexão que ela encontrou respostas para suas próprias inquietações e vazios existenciais.
Esse fascínio fez com que mergulhasse de cabeça no candomblé, uma religião afro-brasileira que preserva as tradições e os rituais dos antepassados africanos. Com a família completamente adaptada ao Brasil - exceto o marido, que tinha aversão a tudo que era cultural do país - começou a frequentar a casa de Joãozinho da Goméia, com quem se iniciou em 5 de dezembro de 1959, e recebeu o nome ancestral de Omindarewá.
No entanto, a jornada de Gisèle para se tornar mãe de santo não foi isenta de desafios. Sua pele branca e sua origem europeia a destacavam entre as comunidades negras e mestiças da Baixada Fluminense, onde decidiu estabelecer seu terreiro. Ela enfrentou diversos questionamentos por sua condição social e por sua origem étnica, mas encontrou apoio em figuras como Joãozinho da Goméia e Balbino Daniel de Paula. Apesar das adversidades, Gisèle perseverou, buscando entender e respeitar as tradições e os costumes de seus colegas de fé.
Foi em 5 de dezembro de 1959, na casa de Joãozinho da Goméia, que Gisele "bolou no Santo". Houve um período inicial de hesitação, logo superado e, após 21 dias de recolhimento, Giselle Cossard Binon se tornou Omindarewá, que quer dizer "água límpida".
Em 1963, já iniciada, se separou do marido e voltou para a França para defender sua tese na Sorbonne sobre o Candomblé. Conheceu o amigo Pierre Verger e se tornou professora universitária. Em 1972, retornou ao Brasil de uma vez por todas. Em 1973, sofreu um grave acidente de carro e chegou a ser desenganada pelos médicos. Foi então levada por Pierre Verger à casa de Balbino Daniel de Paula, Obaràyí, um homem de Xangô iniciado no Opô Afonjá pela saudosa Mãe Senhora. Obaràyí se propôs a ajudá-la, tornando-se seu segundo babalorixá, como ela mesma dizia.
Na partida de Mam'etu Iraê Jinkayá, Mam’etu Sia Vanju buscou Iyá Omindarewá para dar sequência aos ritos fúnebres (axexê) após a passagem da zeladora. Em outubro de 1997, depois do apontamento do jogo de búzios e antes da reabertura da casa no pós-luto, Mam’etu Sia Vanju atravessou os portões do Ilê Axé Atará Magbá para cumprir sua obrigação de 21 anos com Omindarewá, garantindo que o Omariô de Jurema pudesse reabrir as portas.
Sua casa, o Ilê Axé Atará Magbá, está localizada em Santa Cruz da Serra, na cidade de Duque de Caxias. Até sua morte, em 21 de Janeiro de 2016, Mãe Gisèle contava com mais de 400 filhos de santo, tornando-se uma grande referência dentro do Candomblé, e contribuindo a cada dia na religião dos orixás, como uma das mais respeitadas e importantes personalidades na manutenção das tradições africanas no Brasil.
Nascido em 25 de março de 1949, na cidade do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Amate, popularmente conhecido por Tata Sajemi, tornou-se um dos maiores nomes do candomblé carioca. Filho de um casal de estrangeiros radicados no Brasil, até o início de sua adolescência nunca havia tido contato ou vivência alguma com a cultura religiosa de matriz africana. Entretanto, nesse mesmo período, começaram a aparecer os primeiros sinais que mais tarde passariam a ser compreendidos como os primeiros chamados do Nkisi.
Sua primeira manifestação mediúnica aconteceu aos 11 anos de idade, numa sequência de episódios até seus 14 anos, quando, a convite de um amigo, visitou o Terreiro Tosinganga Nkosi, de Mametu Kisinabê, da ndanji Tumba Junsara. A visita ao terreiro foi no dia 23 de abril de 1963 e, nesse mesmo dia, após a manifestação da vontade de seu Nkisi por sua iniciação através do ato de “bolar”, iniciaria sua trajetória no Candomblé, ganhando seu nome ancestral de Sajemi, em 24 de maio do mesmo ano.
Com o retorno de sua iniciadora, Mam'etu Kisinabê, para Salvador-BA, o muzenza Sajemi deu seguimento às suas obrigações com o Tata Angorense, rianga do primeiro barco do Tumba Junsara, que esteve presente em sua iniciação, e que o acolheu dali em diante.
Em 9 de maio de 1970 ele inaugurou sua própria casa, a Inzo Lemba Bojinã Junsá, de tradição Angola Kongo, descendente da ndanji Tumba Junsara. Já em seu espaço de fé, Tat’etu Sajemi cumpriu suas obrigações de 14 e 21 anos com seu zelador Tata Angorense, que esteve ao seu lado desde sua iniciação.
No ano de 2014, os caminhos de Mam’etu Siá Vanju e Tat’etu Sajemi se cruzaram, e ali se iniciou uma história de amor, gratidão e respeito. Em uma busca por um mais velho que pudesse cuidar de seu mutuê e devido à distância que impossibilitava Mam’etu Liceuy de estar presente em sua caminhada, os ventos de Matamba conduziram os passos de Mam’etu Siá Vanju até a Inzo Lemba Bojinã Junsá. Desde então, Tat’etu Sajemi acompanha e cuida da trajetória da atual matriarca do Omariô de Jurema, com carinho e respeito.
Em 2016, Tat'etu Sajemi recebeu uma Moção de Louvor e congratulação por seu intenso e valoroso trabalho social realizado na Inzo Lemba Bojinã Junsa, descendente do Ndanji Tumba Junsara, por ser espaço cultural, beneficiando a coletividade de sua região e ensinando aos cariocas o verdadeiro valor da solidariedade e do amor ao próximo. No ano de 2020, sua casa completou 50 anos de existência e resistência na manutenção da cultura e tradição bantu em terras brasileiras.